Guga Stroeter

Entrevista MIS

PROJETO SEMPRE NOVAS

Depoimento de

- GUGA STROETER -

Músico, Diretor e Produtor Musical

1a. Parte

Local: MIS - Museu da Imagem e do Som de São Paulo - Setor de História

Data: 28/02/94

Entrevistadores: Nancy Alves e Carlos Renó

Duração: 105 minutos

Entrevistadora: Este depoimento tem como propósito fazer uma retrospectiva de sua carreira, como também conhecer melhor a trajetória do Heartbreakers. Para começar, gostaria que você falasse um pouco da sua origem, da sua infância e da relação que a música teve na sua infância e na sua vida.

Guga: Eu sou paulista, paulistano, tenho uma coisa bem misturada de família italiana com família suíça e tive uma infância de classe média, classe média-alta - sempre morei na região de Perdizes e Pacaembu. Não posso dizer que a música esteve presente no meu cotidiano; a minha mãe foi cantora-mirim mas já na adolescência ela abandonara a carreira. Na minha casa havia muito futebol e pouca música. Meus pais não ouviam muita música, não tinham o hábito de comprar discos. A música, então, foi uma coisa que foi acontecendo muito devagar. A minha relação com a arte, e a da maioria do grupo (Heartbreakers), começou na adolescência, por volta de 1977, 1978, quando entramos no Colégio Equipe. Essa escola tinha um perfil bastante peculiar. Naquela época ainda haviam fortes resquícios da ditadura, ainda estavam matando pessoas ligadas ao PC do B lá na Lapa, Wladimir Herzog, aquela coisa pesada da direita, da ditadura militar, e o Colégio Equipe era uma alternativa a isso, era um colégio egresso fundado pelo pessoal da Filosofia da USP, pessoal de 1968.

Entrevistadora: O Equipe teve um papel preponderante como resistência cultural; teve uma série de shows...

Guga: Sim, acho que foi aí que aconteceu a ênfase nas artes. O colégio misturava alguns ingredientes de materialismo dialético; aprendíamos História sob uma lente marxista - isso era uma ênfase - mas a característica mais marcante em nosso comportamento era a herança pós-hippie: éramos pessoas de classe média com alguma admiração pela contracultura e ouvíamos algumas coisas interessantes que estão perpetuadas nos trabalhos de todos que saíram de lá. Tínhamos um programador cultural, o Serginho Groissman e, em todos os finais-de-semana, havia cinema, show ou teatro. No pátio do colégio tinha Gilberto Gil, Hermeto Pascoal, Belchior, o Grupo Rumo, Cartola, Clementina, Nelson Cavaquinho; passavam filmes tchecos, Eisenstein...Isso tudo criava uma ebulição cultural nas pessoas. Então, saíram dali muitos artistas, muitos jornalista, muitos músicos. É curioso que no Heartbreakers ninguém é filho de músico (é uma coisa muito natural um músico ser filho de músico); então, foi uma coisa gerada por ali. Naquela época, havia no rádio a discoteca. Foi quando surgiu John Travolta, Bee Gees. Mas nós ouvíamos coisas diferentes: basicamente MPB - Chico, Milton, Caetano e Gil, principalmente; o rock egresso de woodstock - gostávamos muito de Jimi Hendrix, Jane Joplin; e uma parcela menor, ouvia jazz, pessoas que foram criando contato com instrumentos e com esse gênero musical. Então, esse era um contexto muito forte naquele colégio. Algumas pessoas foram se profissionalizando, outras não, mas foi esse povo que fez nossa cabeça.

Entrevistadora: Naquela época você já tocava?

Guga: Eu gostava de música brasileira e de choro, pois gostava de melodias e o choro tem melodias muito bonitas. Tinha um cavaquinho e nele tocava choro. Eu passei para o jazz, via choro. Ouvindo choro, você começa a prestar atenção nos instrumentos; aí, um dia, você ouve jazz; você nota a lingüagem do instrumento mais desenvolvida. Você compra um disco de jazz (meu primeiro disco de jazz foi o do John Coltrane tocando "My Favorite Things"); você nota um pianista; aí você compra o disco do pianista; descobre que Coltrane tocou com Miles Davis; compra um Miles Davis; vê que o Miles Davis tocou com John MacLaughlin; você acaba tecendo uma teia que engloba a árvore genealógica inteira do jazz.

Entrevistadora: Você começou, então, com cavaquinho.

Guga: Sim, depois passei para o vibrafone. E isso foi muito mais tarde: eu tinha acabado o colégio e comecei a ouvir bastante o The Modern Jazz Quartet. Aí comprei um vibrafone usado, comecei a mexer, e fui entrando mais na vertente jazzística.

Entrevistadora: A sua carreira, então, começou um pouco mais tarde.

Guga: Sim, eu queria ser psicólogo. Fiz psicologia e gostei muito do curso. Estudei bastante; além do currículo, tinha um grupo de estudos em filosofia fenomenológica. Então, estudava, basicamente, Heideger e Freud, também numa visão fenomenológica. Sempre me imaginara um terapêuta. Mas, no meio do curso, eu fui me profissionalizando com música, muito rapidamente. No final dos anos 70 e começo dos 80, havia, em São Paulo, um movimento de contracultura bastante organizado como nunca se vira, e concentrado no Teatro Lira Paulistana. Eu era de uma geração mais nova mas, quando surgiu Itamar, Arrigo, vimos que esse pessoal tinha muito a ver com o que a gente pensava, ou seja, fazia um trabalho de bom nível, sem uma vinculação comercial, mas com alguma estrutura. Tinha, então, um teatro que abrigava, um público que ouvia, e havia até uma gravadora. Na época, o Lira Paulistana associou-se à gravadora Continental e começou a lançar trabalhos dessa geração. Surgiram também, lançamentos de música independente. O Lira Paulistana ficava próximo a USP, numa região de aluguéis baratos que abrigava a moçada alternativa que trabalhava com arte. Em 1981, 82, nós estávamos com 19, 20 anos, havia uma diversidade muito grande de grupos, promíscuos, inclusive. Eu tocava em três, o outro tocava em três, tinha um grupo que era igualzinho a outro menos um, com outro nome e outro repertório, e fazíamos coisas com caráter experimental. Eu tocava num grupo, com o Maurício e o Luca (ambos do Nouvelle Cuisine), que fazia composições de free jazz com batida brasileira. Participava, também, de outro grupo que fazia um som próximo ao do Santana, de rock latino. Era, portanto, uma atmosfera bastante viva. Junto com esse pessoal do Arrigo, surgiu um outro pessoal muito forte de música instrumental. Aliás, o som do Arrigo era um som de músico, pois ele é um compositor mas também é músico; ele tinha aquela banda enorme, cheia de arranjos complexos, assim como o Itamar. Então, a canção aliou-se a um comportamento instrumental.

Entrevistadora: Até com influência da música erudita...

Guga: Sim, e havia a possibilidade de montarmos um grupo, fazermos uma promoção e racharmos a bilheteria do Lira Paulistana.

Entrevistadora: E que grupos eram esses?

Guga: Eu toquei nos grupos Calipso e Mambo, além de um grupo de jazz que eu havia formado em Campos do Jordão, quando fora bolsista. E foi nessa época que aconteceu o Heartbreakers "jurássico": eu tocava num grupo que fazia um free jazz abrasileirado, num outro que fazia latino, e tinha o saxofonista George Freire. Certa vez, na casa dele, ouvíamos música, Duke Ellington; aliás, um comportamento que eu acho muito legal: ouvir muita música. Aí, eu dei a idéia de formarmos um grupinho para tocar Duke Ellington, idéia que o George adorou! Animados, pegamos vinte partituras desse compositor e formamos um quinteto que, na verdade, era o Mambo, só que com outro nome. Era um trabalho muito simples, pois tínhamos somente as partituras, sem arranjos. Na época havia um livro chamado "Real Book", um livro que foi muito importante na vida de muitos instrumentistas. A história do "Real Book" é o seguinte: um cara, em Boston, começou a tirar música; tirou 530 músicas de jazz a mão e começou a tirar xerox; esse livro, mesmo sem editora, circulou e acabou virando o livro "oficial". Nos anos 70, ele chegou ao Brasil e, também, pelo sistema de xerox, chegou nos músicos. Todos sabiam, então, as mesmas músicas e tocavam a mesma versão. Nesse "Real Book" havia 20 composições de Duke Ellington que eu gostava de ficar tocando ao piano e assim, eu comecei, ingenuamente, a gostar do compositor. Em 1982, o George batizou o grupo de Heartbreakers; apesar de eu querer outro nome, ele já foi propondo a coisa toda, e fizemos uma pequena série de shows, sete ou oito shows, como, por exemplo, no aniversário da minha avó, na programação musical da Sala Mário de Andrade, no Metrô São Bento, que foi nosso último show e aonde tomamos até cusparadas porque era o ponto dos punks e eles não estavam entendendo nada mas mesmo assim foi super-legal, uma farra grande. E os grupos continuavam mudando. Nessa época, foi programada uma festa latina no Sesc e a orquestra convidada, do Rio de Janeiro, estava cobrando muito caro. Sabendo disso, o Skowa propôs, para o organizador do evento, a formação de uma banda de música latina. O Sossega Leão, então, foi criado especialmente para esse evento, que foi um sucesso: na estréia, tinha duas mil pessoas que gostaram muito do show. Então, prosseguimos com o trabalho. Percebi que alguma coisa já estava tomando forma: tínhamos as músicas de Duke Ellington e uma banda grande que tocava música latina. Eu fiquei absolutamente fascinado com a banda grande. Em Campos do Jordão, eu já havia tido uma experiência semelhante com uma big band e com algumas bandas menores, todas com arranjos. Todos aqueles trompetes, trombones, saxofones, contrabaixo, cada um cumprindo seu papel, era uma forma de agrupamento que me deixou fascinado! Fiquei pensando na possibilidade de trabalhar com esse tipo de coisa. Certamente há dificuldades em trabalhar com bastante gente: a questão da mobilidade, a divisão dos cachês, a organização dos ensaios; no entanto, foi muito viável. Foi nessa época que, apesar de estar adiantado no curso de Psicologia, acabei me decidindo pela música. A profissionalização no Brasil é muito rápida: compro um instrumento e duas semanas depois já estou tocando num barzinho, tocando muito mal, mas tocando, ganhando um troco muito mixo, mas ganhando, no ano seguinte já estou gravando um disco, foi realmente uma coisa muito rápida. O Sossega Leão trabalhou firme, gravou disco...

Entrevistadora: E fez muito sucesso no Café Piu Piu, que era um ponto de encontro das pessoas, o que talvez tenha facilitado um pouco as coisas...

Guga: Aí, houve duas mudanças grandes em termos históricos: em 81, 82, aconteceu o projeto "Virado a Paulista", uma série de shows na USP. Eu lembro que a inscrição do meu grupo era de número cento e sessenta e tanto. Éramos todos grupos instrumentais; havia só um grupo de rock inscrito que era visto como um grupo de comportamento herético pois, em São Paulo, havia o Made in Brazil - que fazia um rock bem pesado, ali na Pompéia e Sumaré - e só. Era o momento da música instrumental. No meio de 83, surgiu o rock brasileiro, que foi catapultado pela Warner, com o André Midani e o Pena Schmidt. Muitos músicos migraram para o pop, o rock. Alguns integrantes do Titãs, por exemplo, faziam parte do Sossega Leão, como o Nando Reis, o Paulo Miklos e o André Jung (que depois foi para o Ira! e que era o nosso percussionista). Então, os primeiro grupos dos quais eu participei foram formados no auge do período da música instrumental, música alternativa e, em meados dos anos 80, aconteceu essa unanimidade em torno do rock, com a cumplicidade da mídia. Foi onde tudo foi gerado e que culminou, comercialmente, com o RPM que vendeu um milhão de meio de cópias no Plano Cruzado. Estou chegando no começo do Heartbreakers. Em 1986, todo o naipe de sopros que, posteriormente, viria a ser do Heartbreakers, era do Sossega Leão. E algumas pessoas lá do começo, também acabaram fazendo parte do Heartbreakers e do Nouvelle Cuisine. Nesse ano, ainda fazendo parte do Sossega Leão, fui fazer teatro como ator e dublê de bailarino, com Naum Alves de Souza, na montagem de "Nijinski". O George Freire, que já não fazia parte do Sossega Leão, também foi para o teatro, com José Possi Neto, fazendo "Lilith". Nós estávamos sempre em contato, pois na época eu alugava o fundo da casa dele, e ficávamos ouvindo e pensando muito na música. No teatro, eu vi algumas coisas que me deixaram tão excitado quanto a orquestra grande: o roteiro, a iluminação, o figurino, o ensaio, que com roupa comum, numa sala, é a coisa mais feia, mas depois você vê aquilo no palco, e fica lindo! Fiquei fascinado por esse processo de teatralização. O George, que tem mãe atriz, já tinha noção disso tudo. Um dia, conversando, decidimos remontar o Heartbreakers mas com a idéia de um grupo de música que usasse alguns critérios de teatro, os mínimos, que tivesse uma preocupação cênica de roteiro, iluminação, som. A coisa começou a tomar forma com a idéia de fazer Duke Ellington. Na época, nós estávamos ouvindo os Marsalis. Já se falava no renascimento do jazz acústico. Era, finalmente, alguém com quem eu me identificava; pessoas da minha idade fazendo o que eu gostava, uma coisa muito próxima do que eu faria. Eu ouvia Chico, Caetano, que eram de uma geração mais velha. Os meu colegas, o pessoal dos Titãs, estavam fazendo um trabalho muito bom, muito famoso, mas eu não me identificava esteticamente com aquilo; eu achava super-legal a onda deles, mas não era a minha. Então, quando surgiram esses americanos, alguns até mais novos que nós e com uma postura de revitalizar o jazz, eu me senti com uma nova dose de ânimo por estar fazendo um trabalho cosmopolita. Fui para Los Angeles e depois encontrei o George em Nova York, onde compramos quarenta, cinqüenta discos do Ellington. Voltamos, ouvimos tudo e começamos a transcrever, literalmente, os arranjos, adaptando para uma banda com nove músicos (a banda do Ellington tinha dezesseis). Na verdade, a banda ainda não existia, era só um projeto. Foi formada a partir das partituras; antes de chamar os músicos, nós escrevemos o repertório. Eu fiquei fascinado porque Duke Ellington é a própria história do jazz. Ele começou nos anos 20, tocando em cabaré, e acabou fazendo música erudita nos anos 70. Ao estudar esse compositor, que tem todo tipo de formação em, aproximadamente, 5000 composições, temos uma idéia do jazz e da música do século. Ele tem músicas de cabaré, músicas nas quais você reconhece Debussy, Webern, soul music; portanto, é um autor que nos trouxe muitas contribuições. Eu não me senti nem um pouco inferiorizado por fazer um trabalho em cima de algo que já tinha sido feito, porque um arranjo de Ellington é uma partitura de composição, deixa de ser apenas uma curtição. E nós nos aproximamos desse trabalho de uma maneira muito profunda. Estreamos a banda com figurino, sempre com uma proposta de cenário e fomos muito bem aceitos. A estréia do Heartbreakers foi em 87 e era uma mistura de Heartbreakers com Nouvelle Cuisine. O Carlos Fernando - que era do Heartbreakers -, o Luca Raele, o Maurício, o Flávio e eu, éramos o Quinteto Nouvelle Cuisine que, acrescido de cinco sopros, era o Heartbreakers. O que aconteceu foi um fenômeno de relativa sincronicidade. Enquanto o Heartbreakers estava fazendo partituras e já estava conversado de estrear, o Nouvelle Cuisine estava fazendo um trabalho ainda caseiro, não tinha nome, mas era a mesma turma e a gente estrou junto: o Nouvele Cuisine em maio (porque as partituras do Heartbreakers ainda não estavam prontas) e o Heartbreakers em outubro. Eram trabalhos que combinavam esteticamente; o Nouvelle, algo camerístico, trabalhando com arranjos de uma forma e o Heartbreakers de outra. A idéia de fazer teatro já estava acontecendo e nós apresentávamos jazz aos domingos no Aeroanta. Convidamos José Possi Neto, que já tinha trabalhado com o George, para dirigir um show nosso. Queríamos um show de música, com aquele repertório, mas que fosse bonito. Ele já tinha um musical na cabeça, uma idéia cênica, que nem era com jazz. Assim nasceu "Emoções Baratas", que foi um musical com nossa trilha, com 7 bailarinos. Foi quando o Heartbreakers teve o primeiro grande impacto na mídia. Nessa época, o Nouvelle Cuisine foi convidado para gravar um disco pela Warner. O grupo, então, rachou: o Nouvelle separou-se do Heartbreakers e fiquei eu nos dois. Substituímos o pianista do Heartbreakers, que era o Luca, pelo Jether; o baixista, que era o Flávio, pelo Mario Caribé; eu, que era o baterista, pelo Betão; fiquei de vibrafone nos dois grupos, e de vibrafone e bateria no Nouvelle. E foi aí, que o Nouvelle Cuisine iniciou uma carreira muito interessante. No começo dos anos 80, havia aquela coisa alternativa; no meio dos anos 80, a new wave, onde o must eram as bandas de Berlim, de Londres, os estilos denominados dark e gótico; nós estávamos ali, meio paralelo. Uma análise que eu faço hoje, passado algum tempo, é que havia no ar um certo yuppismo não ainda catalisado. O Heartbreakers e o Nouvelle pegaram isso em cheio, sem saber, vindo da música instrumental. Houve um casamento entre a vontade insconsciente da platéia e o nosso trabalho. Fizemos "Emoções Baratas", um trabalho muito bem acabado, durante dois anos com casa sempre lotada, e os shows do Nouvelle Cuisine, também sempre lotados. Acho que, naquele momento, estávamos fazendo uma coisa absolutamente estravagante porque, enquanto se tocava muito rock, nós estávamos tocando jazz antigo ou jazz refeito e que era visto como vanguarda. Isso nunca entendi muito bem, sempre achei meio esquisito.

Entrevistadora: Mas foi com bastante profissionalismo, ou seja, vocês já chegaram bem estruturados, com propostas definidas. Foi um contraponto para, justamente, aquela fase de rock da qual você falou. As pessoas, de repente, tiveram alguma alternativa; quem não se identificava com aquele tipo de estética, teve algo a mais na cidade, era uma coisa nova que estava surgindo.

Guga: Acho que sim. Trouxemos, por exemplo, uma instrumentação acústica quando ela estava bastante desvalorizada pois, na época, utilizavam-se recursos eletrônicos. A música pop estava cada vez mais agressiva, com uma lingüagem muito direta, culminando no punk que traduzia um desejo imediato com pouquíssima harmonia e melodia. E nós trouxemos pessoas que, nos anos vinte e trinta, valorizavam a harmonia e a melodia, como Cole Porter e Gershwin, e que tinham uma herança da música erudita. Trabalhamos bastante, começamos a gravar nossos primeiro discos.

Entrevistadora: "Emoções Baratas" era constituído de vinte e nove canções. Qual foi o critério da seleção para o disco?

Guga: O disco não é a trilha sonora do espetáculo, pois ele contém somente três ou quatro músicas da peça. Mas, em nosso repertório, tínhamos mais de cem temas. Fizemos, então, um levantamento do que achávamos mais significativo e que daria uma idéia da diversidade do nosso trabalho. Gravamos pelo selo Eldorado, na época um estudio bastante pequeno de dezesseis canais, com equipamentos que tinham aqueles botões de fogão. O estúdio já estava bem velhinho; logo depois ele foi fechado. Mesmo assim, foi super-legal. E aí fomos ampliando o repertório. Foi por essa época que fizemos o primeiro contato com a música brasileira.

Carlos Renó: Você falou do ambiente cultural dentro de uma perspectiva ampla no momento em que os Heartbreakers e o Nouvelle surgiram. Falou do som dark que havia no lado da música pop e, em termos de comportamento, citou o yuppismo. Em relação ao dark, ou ao pop, que se tocava, o som de seus dois grupos representava a antítese. Para mim não ficou muito claro o por quê de você ter citado ali o yuppismo.

Guga: Havia essa antítese e havia uma certa fadiga de se ouvir o som muito pesado que era o rock que estava sendo feito no Brasil. Quero deixar claro que música é uma coisa, comportamento é outra. As pessoas se aproximam através do comportamento. Aqueles que assistiam a "Emoções Baratas", sentiam-se na Broadway, mesmo estando no Brasil, pois era um espetáculo muito bem acabado com música americana. Tinha-se a sensação de primeiro mundo. Existia, no final dos anos oitenta, uma bolha de consumo e o yuppie é o cara americano que ganha um milhão de dólares na Bolsa antes dos trinta anos de idade. Isso, na verdade, não chegou ao Brasil, mas existia essa geração. Os formadores de opinião, principalmente em São Paulo a partir dos anos 80, eram os publicitários, os donos de restaurantes e o pessoal de moda, de confecção. Essas eram as pessoas que ditavam o que seria consumido de uma maneira mais abrangente. Eu digo yuppismo porque havia uma sensação de cosmopolitanismo, às vezes até ilusório, mas que vinha com o som, que vinha com o comportamento. O Nouvelle Cuisine, por exemplo, apresentava-se de terno e gravata, o figurino yuppie, ou algo muito próximo a isso. Um dia fui assinar um contrato para tocar e na mesa ao lado alguns rapazes estavam conversando; eu ouvi um deles dizer: "Esta semana fui ver um show de uns caras tocando umas músicas velhas, o maior barato". Para mim, ficou evidente que ele não estava ligado na música e sim, no comportamento. Eu não diria que aquilo era música yuppie, de jeito nenhum; era música que resiste até hoje. A música do Nouvelle ainda pode ser descoberta. Ela não foi feita com um propósito e não usou um determinado critério, mas a psicologia coletiva, às vezes, favorece algum tipo de coisa. Às vezes o público acaba se encaixando naquilo que o artista faz e, às vezes, não. Na minha vida de artista, eu já fiz coisas premeditadas, bem-acabadas que não deram público; o público disse não, não ouve empatia nenhuma; e outras coisas, nem tão premeditadas ou tão elaboradas, deram muito certo. Eu chamo de yuppismo o que era como o nosso hippismo. Inclusive, tomamos algumas precauções para negar o nosso hippismo quando a gente apareceu. Isso foi uma atitude premeditada. Eu não queria encaixar o nosso grupo como vanguarda paulista do Lira Paulistana, apesar de ter feito parte dele e convivido com ele harmonicamente (eu gravei o disco do Arrigo Barnabé e sou fã do Itamar). Mas eu queria uma coisa que tivesse uma cara distinta daquela. Então investimos pesado no figurino. No começo foi difícil; combinávamos tocar e eu dizia: "O figurino é tal." Eu me sentia o Clovis Bornay falando em figurino porque, na minha geração, você é o seu som; você está de tênis furado e toca de tênis furado! O que interessava era o som, não o "extra". Mudar, dentro do Heartbreakers, foi muito difícil. No primeiro show, tinha o sujeito que alugara summers e tinha o outro com tênis furado. Até que começamos a fazer teatro e as pessoas começaram a ficar vaidosas no sentido positivo. E foram percebendo que a música não era só a música. Certamente éramos um grupo de músicos instrumentistas; a nossa gênese era tocar um instrumento, escrever arranjos; daí viera o gosto pela música marcadamente instrumental. Mas esse conceito evoluiu bastante com o trabalho de teatro. Hoje, se você vir uma apresentação do Heartbreakers, perceberá um despojamento adquirido - um canta, o outro dança, outro fala ao microfone - que é uma coisa muito difícil de conquistar. É uma coisa óbvia para um artista pop; ele vê o jeito de cantar, um figurino. No entanto, pra nós, isso era uma heresia e foi bastante difícil vencer essa barreira, porque nós sempre pertencêramos a uma certa contracultura e acreditávamos também que, quanto mais complexa a forma da música, melhor ela seria. Mas a canção popular não é assim e acho que a gente ainda não chegou no ponto ideal. O que é a canção popular? Esse é um processo demorado mas é assim mesmo; o processo coletivo é lento. Estamos começando a perceber a beleza nas coisas mais simples Afinal, viemos de uma escola de admiração de virtuoses, pois isso foi uma idéia muito firme no jazz: o cara bom é o cara que chega e desanda a tocar até o limite do seu instrumento. Havia essa idéia fálica de música e que, na orquestra, teve que ser dissolvida, é lógico, sem perder a perspectiva de um bom desempenho técnico. Isso é algo que fomos aprendendo aos poucos e eu acho que a coisa ainda está acontecendo, devagarinho, mas está acontecendo.

Entrevistadora: Quando você fala em canção popular, você coloca isso a nível mundial?

Guga: Eu incluo Cole Porter, Chico Buarque e até música italiana do Festival de San Remo.

Carlos Renó: De qualquer maneira, eu acho que o próprio formato, os objetivos naturais de uma banda como o Heartbreakers tornam complexa a idéia que se tem de canção popular, na prática do trabalho, porque vocês lidam com a matéria-prima, que é a canção popular, mas com um tratamento que não é o mais tipicamente popular dentro da história da música popular ou de como ela evoluiu até hoje. Vocês têm uma formação peculiar, uma formação de muitos músicos e com um approaching sofisticado do ponto de vista dos elementos musicais - ritmo, harmonia e melodia.

Guga: A nossa formação é jazzística. O Heartbreakers é uma banda de jazz, é o que eu sempre digo em entrevistas. Tocamos salsa, música brasileira e jazz. O jazz foi o que nos aglutinou e a postura frente à música será sempre uma postura jazzística. E o jazz tem esse limiar, está bem no fio de uma lâmina entre a música popular, mas a música popular estruturalmente mais complexa. A banda de swing nos anos 30 e 40 foi bastante popular; a nossa instrumentação na música cubana, na salsa, é padrão. Fomos para Cuba recentemente. Lá, é muito difícil encontrar o músico de violãozinho, que é um trovador. Se você perguntar para um cubano: "Qual é o som que você mais gosta?" Dos cinco nomes que ele disser, quatro serão nomes de bandas, não nome de indivíduos. São fatos que sempre acontecem na tradição da música instrumentada. No Brasil, há a formação regional e as orquestras. Nós nos identificamos bastante com o que o Severino Araújo fez durante tantos anos, que é transpor a lingüagem da big band para a música popular brasileira.

Entrevistadora: Voltando um pouco, estávamos falando do disco "Ellingtonia"; nesse disco, encontramos a curiosidade dos intérpretes convidados e essa parece ser a vocação da banda: trabalhar com um cantor.

Guga: Na época, não tínhamos cantor. O Carlos Fernando havia trabalhado conosco quando ainda éramos o mesmo grupo; a Misty e a Adyel haviam trabalhado no "Emoções Baratas"; Zizi Possi também participou do disco. Não tínhamos crooner e trabalhávamos, às vezes, prestando serviço. Começamos a fazer música brasileira nessa época, a convite do José Maurício Macline, como banda-base do Prêmio Sharp; foi quando começamos a tocar Caymmi, Maísa, quando conhecemos a Elba, o Emílio, o Paulinho da Viola, o Fagner. E a coisa foi se estruturando para esse lado. Um marco muito importante para a banda foi o Plano Color. Quando estourou o Plano Color, íamos interromper a temporada paulista e ir para o Rio de Janeiro numa temporada patrocinada. Eu tinha a certeza de que faríamos sucesso por lá; por isso o Plano foi lamentável para nós. São Paulo é um lugar alternativo para a música, onde a música de publicidade funciona muito bem. Mas são pouquíssimos os intérpretes que nasceram e/ou moram em São Paulo: tem a Rita Lee, o Adoniram, são coisas pontuadas na grande mídia; até mesmo os baianos moram no Rio de Janeiro. Estávamos, então, pretendendo entrar no circuito oficial carioca pois, em São Paulo, já estavamos trabalhando bem. O Nouvelle tinha um disco e uma turnê agendados pelo Brasil; foi desmarcado. A temporada do "Emoções Baratas", apesar de lotada, encerrou-se. Até dinheiro de um terreno que eu tinha vendido ficou retido. Eu fiquei muito triste, pois a sensação era de desmoronamento completo da carreira, não só a minha. O astral na classe artística era baixíssimo. A falecida Lei Sarney propiciava uma ligação forte entre empresa e artista, tanto que nós fizemos "Emoções Baratas" com patrocínio completo, arranjos e ensaios, uma coisa super-legal. Os shows do Nouvelle também tinham patrocínio. E tudo isso foi interrompido. Ficamos com uma mão na frente e outra atrás. Foi, então, que eu tive a idéia de ligar para o Aeroanta, que fechava aos domingos, e propôr que ele abrisse para nós num esquema de porcentagem na bilheteria. Nessa época, havia um grupo chamado Mexe com Tudo que tocava música brasileira no Avenida Club aos domingos, tocava música para dançar e tocava muito bem. O nosso trombonista (Matias) era namorado da cantora deles (Virgínia). Logo, estámos sempre sabendo o que acontecia em outras bandas. Eu propus, para o Aeroanta, fazer uma coisa semelhante: faríamos um trabalho lá e racharíamos a bilheteria. Nesse dia, a banda deixou de ser uma banda de Duke Ellington. Conversamos o seguinte: a orquestra era bastante viável e seria uma orquestra que tocaria diversos gêneros, dentro de um critério seletivo de qualidade e aonde a nossa instrumentação fosse adequada. Vários de nós já tinha trabalhado no Sossega Leão. Eu o Matias tínhamos um caso muito mal resolvido com a salsa. O Sossega Leão era uma delícia, o ambiente era muito gostoso, mas tinha um problema interno: eu e o Matias éramos salsófilos ou salsômanos extremamente conservadores; queríamos fazer música como se faz em Cuba e salsa como a salsa novaiorquina, proceder como havíamos feito com Duke Ellington, aprender tudo aquilo. E havia uma outra vertente representada pelo Skowa e pelo Tuba que gostava muito da música pop e queria fazer uma coisa bem misturada. Ou seja, eles queriam desenvolver a vertente pop no Sossega Leão e eu e o Matias queríamos fazer algo bem próximo da cultura cubana. Eu já tinha ido a Cuba, feito muitos contatos por lá, comprado bastante discos; então, aquilo estava "encubado" em mim. Começamos, então, a tirar músicas e a ensaiar direto para aprender a música cubana. O George Freire caprichou nos dois figurinos, Paulo Von Poser nos dois cenários - com painéis muito bonitos - e o Aeroanta abriu para nós aos domingos. Chamamos esse evento de "Blen Blen Club". Esse nome, o George Freire havia encontrado num livro sobre a história da salsa, e era um nome muito apropriado. Em Nova York, havia o "Palladium", uma casa de baile muito grande onde se dançava, basicamente, o swing. No final dos anos 40, o swing já estava decadente e a comunidade latina ascendente fundou o "Blen Blen Club", um baile com músicos latinos que tocavam a música "Blen Blen" no Palladium, aos domingos e que começou a fazer sucesso. Exatamente o que nós estávamos fazendo; não éramos músicos latinos, mas estávamos fazendo música latina no Aeroanta, aos domingo. Tocamos durante um ano e meio, na primeira parte, jazz de Duke Ellington, com figurino e cenário; no intervalo, trocávamos de roupa e voltávamos com salsa. E gravamos um disco.

Entrevistadora: A salsa é uma denominação recente e genérica de vários ritmos...

Guga: A salsa é o nome dado à música de gênese caribenha, oitenta por cento cubana no formato, em Nova York no final dos anos 60 e início dos 70. Foi a geração de americanos descendentes de latinos, em Nova York, que incrementou o movimento. O formato da salsa já estava pronto desde 1920, 1930, uma música extremamente rígida, organizada da mesma forma até hoje: o vocal, o coro, as batidas da clave, o funcionamento do contrabaixo, tudo isso já existia.

Entrevistadora: Você pode falar um pouco sobre isso?

Guga: Sim, e é uma coisa muito interessante. Isso já podia ser observado nos conjuntos regionais de Cuba do começo do século, e que eram formados por violões, percussão, executando formas de danzon. Por influência americana, recebeu instrumentação de trompetes e trombones no final dos anos 40 (nos anos 30 já tinha alguma coisa), e foi catapultado por Hollywood para todo o mundo. Nos anos 50, atingiu o auge. Declinou nos anos 60 e voltou, nos anos 70, com a salsa em Nova York. Para nós, assim como o aprendizado de Duke Ellington fora bastante interessante, o aprendizado da salsa foi muito difícil, pois é uma música extremamente rígida e com uma tradição muito forte. Entrando, um pouco, em detalhes técnicos: já tínhamos tocado salsa no Sossega Leão e no Heartbreakers, mas tinha uma questão muito complicada que só resolvemos com a ajuda de músicos porto-riquenhos. Trouxemos de Nova York um dos maiores percussionistas do mundo para gravar conosco, além de contarmos com o Edsel Gomez, também um músico porto-riquenho muito bom. Começamos a analisar profundamente a estrutura das músicas que a gente estava tirando dos discos para entender o seu funcionamento. Aprendemos, então, seus princípios básicos que são fascinantes, mas que se tornaram uma curtição solitária porque o Brasil é um país que não tem salsa na sua história. Nos EUA, é um mercado muito forte; hoje, a banda de salsa que mais vende discos no mundo, é uma banda formada só por japoneses chamada Orquestra de la Luz, e que vende salsa, não para o Japão, mas para os EUA, Colômbia, Venezuela, ou seja, a salsa é uma música que, como o jazz, tornou-se cosmopolita. Viajei agora para a Europa; no interior da Suíça e no norte da Suécia, encontrei bailes de salsa. No Brasil, não pegou. Nós demoramos um pouco para entender a estrutura dessa música. Primeiro, tivemos que introjetar tecnicamente e, só agora, do fim-do-ano para cá, eu sinto a salsa sair da gente, ou seja, o estado de espírito de estar tocando salsa começou a extravasar agora, após resolvermos os problemas ténicos. É você começa a entrar no caráter do povo que a criou, e que é um caráter eufórico, que conhece poucos sentimentos intermediários. O brasileiro é um "bicho" que tem a melancolia mais elaborada; então, tem lá o barquinho, a tardinha, tem o Chico Buarque, tem um discurso de uma sensibilidade relaxada. O latino não, ou tem o bolero super-depressivo, cheio de imagens preciosas, cuja letra fala do amor perdido, ou tem a salsa, que é "baila negra, negra baila, baila negra, negra baila". Acho que isso explica porque a identificação do brasileiro com a salsa não se deu. A salsa atravessa todos os modismos por causa de uma figura tradicional que, para mim, é a entidade que concentra toda a energia do ritmo. Os músicos caribenhos têm uma regra básica e imutável que se chama "clave". A "clave" é uma batida que você encontra em todas as música de origem caribenha e que tem uma só variação. Ela é tocada, geralmente, pela clave, que são dois pauzinhos e cuja batida, uma vez iniciada de um jeito, assim permanece até o final. Todos os outros instrumentos, desde a melodia, o contrabaixo, o piano, os sopros, o canto, têm que colaborar com a clave; senão, o bailarino não dança. Quando o Sossega Leão tocava, havia uns peruanos que achavam tudo muito digno, muito bonito e bom que tivesse alguém fazendo aquilo, mas não entravam na dança. Antes de gravarmos o disco "Blen Blen Club", quando já estava tudo composto, tivemos que passar ele inteiro pelo critério da "clave" com a ajuda de dois músicos porto-riquenhos, apertando dali, soltando daqui, até tudo entrar na batida certa. A "clave", então, é uma batida de dois compassos que funciona como uma pergunta e uma resposta. Ela contém, semanticamente, a "pergunta-e-resposta" da música africana; tem o coro contra o cantor e isso veio, principalmente, da cultura iorubá. Pensando filosoficamente, tem o mundo e o indivíduo. Enquanto o jazz é uma música que tem grande variação de melodia e harmonia, a salsa varia menos. Ela é polirrítmica, é uma música muito complexa, e tem sempre o coro, ou seja, é uma música basicamente de estribilho, e que entra na hiperestasia da dança. Muita gente pensa: o transe é uma perda da individualidade. Pois eu acho o contrário; acho que é um estado de hipersensibilidade, no qual você pode entrar a partir da repetição rítmica. A lambada é uma música muito interessante, pois trouxe de volta a dança. Mas ela não tem a "clave". A "clave" deve permear tudo, sempre, e vai estar com todas as música cubanas. Ela é um cárcere para o compositor, que não pode sair daquilo. Mas, por isso mesmo, é ela que mantém a tradição na qual tudo se baseia. Oitenta por cento das bandas não têm músicos tocando a clave. Em Cuba, percebi: "É lógico, não há a necessidade de se tocar a clave porque ela deve estar na cabeça". Não, me disseram, a "clave" deve estar no coração; quer dizer, o músico deve sentir a batida e se, em algum momento, ela for invertida, isso pode derrubar o bailarino. Você pode, então, criar o latin jazz, o merengue, a salsa, a guajira, isto tudo dentro da "clave". Tecnicamente, é algo compreensível no papel; é um funcionamento muito rígido que demoramos para entender. Os acentos do ritmo brasileiro e do ritmo caribenho são muito diferentes: o samba é todo "no chão"; se você pede para um cubano tocar o contrabaixo junto com o tempo do samba, ele não consegue, pois não tem aquela "batida" dentro dele. E para nós aprendermos a música caribenha, temos que tocar, tocar, tocar muito. É uma música muito rica porque vem de uma história tão rica quanto a da música brasileira. Em nosso disco, temos o danzon, que é uma dança de salão do começo do século correspondente às composições de Ernesto Nazareth, e que mistura o erudito com o popular, e vai até a rumba de rua, que é uma coisa bem africana e que, mostrando para músicos tecnicamente bem desenvolvidos, estes não conseguiram compreender o que estava acontecendo, tal a polirritmia. Tem que se ouvir bastante para começa a se acostumar com aquele monte de tambor, cada um tocando uma coisa diferente, e que vai tecendo aquela música. Então, a orquestra de salsa tem que ser uma máquina, um trem, um engenho que está sempre tocando para um centro, que é o centro rítmico. É um trabalho que é um prazer solitário dos Heartbreakers, infelizmente. Algumas pessoas fazem latino: o Djavan faz latino, a Gal faz, o Caetano faz, eles querem ir para Cuba, mas fazem uma música que apenas dão a sensação de latino.

Carlos Renó: A salsa não teve uma assimilação maior, como teve, por exemplo, o bolero. O bolero foi assimilado pelo povo brasileiro e pela música brasileira.

Guga: Sim, o Cartola ouviu muito bolero. O samba-canção é muito próximo ao bolero.

Carlos Renó: A partir dos anos cinqüenta, o bolero foi muito tocado.

Entrevistadora: E hoje, a salsa influencia até os africanos do Zaire.

Carlos Renó: Eu não sei a quê você atribuiria isso. A música latina fica nessa dicotomia entre a música mais depressiva, a música de "fossa" que é o bolero e, no outro extremo, a salsa, um tipo de canção mais eufórica, mais para cima. Observamos que o correspondente a essa música mais alegre, nós temos aqui e muito forte, a música que resultou na festa do Carnaval.

Guga: Isso é uma coisa muito interessante. Como o Brasil é um país que emana música, ele não a recebe facilmente. A música brasileira faz sucesso na França mas, se você ouve música francesa, percebe que ela é ruim, e eu digo isso sem medo, a música popular francesa é ruim, a música popular alemã é ruim, os conjunto que eu ouvi na Holanda são muito fracos, na escandinávia, não dá.

Carlos Renó: Essas músicas não têm uma contribuição original.

Guga: Os japoneses fazem salsa por quê? Eles têm uma música tradicional bonita, mas eles querem uma música forte e o Brasil é um país que tem uma música forte. O Brasil tem uma música própria com uma identidade grande, então as músicas de fora não entram tão facilmente.

Entrevistadora: Os próprios núcleos africanos que fazem muito sucesso na Europa, não conseguiram chegar no Brasil. Aconteceu um festival de música em Salvador, onde eles trouxeram algumas pessoas como Sariff Keithar, e outras, que não tiveram repercussão porque a própria música da Bahia é muito forte e, então, fica mais difícil a penetração.

Guga: Talvez seja mesmo por isso. Eu fico sempre pensando nesse problema.

Carlos Renó: Ao mesmo tempo, eu acho que a música brasileira é rica em função, também, de uma abertura para elementos das músicas de outros lugares; abertura que outros países não permitiram historicamente. Se compararmos, por exemplo, o samba brasileiro com o tango argentino, que é uma música riquíssima, devido a um purismo maior, um caráter mais fechado para com outros gêneros e outros estilos, este último não evoluiu como evoluiu o samba.

Guga: Eu acho que a música brasileira tem o privilégio de poder contar com a herança negra. Eu acho que a música, neste século, ficou muito caracterizada pela influência negra, o jazz, o funk, o samba, a salsa.

Carlos Renó: Foi uma raça que se misturou, teve que se miscigenar.

Guga: A música latina é uma música muito interessante. O Brasil tem relações com a cultura latina. Na literatura, por exemplo, relaciona-se muito bem: lemos Cortázar, Garcia Marques, Vargas Llosa; há uma admiração recíproca. Já na televisão, não; vem para cá só coisa ruim, mas também não sei se há uma boa produção para a TV na América Latina. Poderia existir um melhor intercâmbio cultural, mas isso deveria partir de baixo para cima. Nós vamos para Cuba e percebemos que eles adoram a música brasileira! Do jeito peculiar deles, é lógico: eles ouvem os melódicos; a mesma pessoa que gosta de Chico Buarque, gosta de Nelson Ned. Isso é uma característica muito interessante que não existe no povo brasileiro. Nós temos, em nosso repertório, um bolero chamado "Covarde", que foi gravado nos anos 50, em 78 rpm, e o fazemos num tom humorístico aqui no Brasil. Tocamos essa música em Cuba e ninguém sentiu ironia, pois lá não existe a ironia do "cafona". Eles têm um senso de humor muito legal mas essa emoção extravazada exageradamente faz parte da cultura deles.

Carlos Renó: A música brasileira ficou bastante complexa. Primeiro, com a bossa-nova, depois com o Tropicalismo, que instaurou a alta ironia, a crítica ao elemento kitch da cultura brasileira mas, ao mesmo tempo, uma crítica de envolvimento onde o crítico se identificava com o objeto criticado.

Guga: O Caetano cantando Vicente Celestino é a coisa mais linda.

Carlos Renó: É, justamente, o exemplo disso; diferentemente do exemplo dos Mutantes fazendo "Chão de Estrelas" que é uma coisa completamente arrasadora e debochada. Ou seja, a música torna-se complexa com elementos de cultura intelectual. Voltando um pouco, com o "Blen Blen Club", vocês passaram a fazer música latina mas, ao mesmo tempo, começaram a fazer música brasileira também, não é mesmo?

Guga: Sim. É curioso a volta que eu tive que fazer para tocar música brasileira, sendo brasileiro. Mas o meu objetivo é esse, afinal eu sou um músico brasileiro. O paulista é um "bicho" um pouco diferente do restante do Brasil. Fui tocar em Porto Alegre e quis tocar com músicos nativistas. Fui, então, tocar as xacareiras, música deles, muito forte e que não ouvimos por aqui; tem um público enorme, do universitário à criança, todos ouvem música nativista, que é a música gaúcha. Na Bahia, eles também têm o seu mercado próprio, gigantesco. No Rio, todos sabem os sambas-enredo. Mas, em São Paulo, não tem nada disso. Portanto, eu fico bastante à vontade para tocar Duke Ellington, salsa, coisas do vaudeville alemão e francês dos anos 20 e 30, com Patrício Bisso. Mas eu adoro a música brasileira e, atualmente em nosso baile, temos boa parte do repertório com música brasileira. O Nouvelle Cuisine, também, prepara um disco com noventa e oito por cento de música brasileira afinal, é uma música riquíssima, uma música vencedora e que contém todos os elementos que a gente gosta de melodia, de harmonia, de engenhosidade, de letra que ajuda a música e vice-versa, além da possibilidade maior de comunicação com o público. Então fazemos ritmos brasileiros como sambas, maracatus. Para chegar neste estágio, ulilizamos procedimento semelhante aos outros ritmos. No início, contratamos arranjadores de fora que já trabalhavam com arranjos de metais, como o Laércio de Freitas, que era arranjador da Tupi e da Excelsior, o Aluízio Pontes, o Pique Riverte, o Bocato, e agora trabalhamos com os nossos próprios arranjos. No jazz, as músicas haviam sido compostas já dentro da linguagem de metais das bandas de swing, na música latina, também; na música brasileira, isso teve muito pouco. Eu consultei a discoteca do (.....?.....), ouvi muita música com o pesquisador Dagmar, e encontrei muito de regional e pouca coisa de orquestra. Então, essa é uma linguagem ainda a ser desenvolvida. Ritmicamente, há muita coisa brasileira que estamos començando a incorporar, como o Olodum, o baião, a bossa-nova, mas sempre fazendo música para dançar. Dentro da ênfase para o teatro, montamos um espetáculo de jazz, um espetáculo de salsa, o "Mucho Corazón", e agora, o plano para 1994 é mergulhar profundamente na música brasileira.

Entrevistadora: O Heartbreakers tem como objetivo fazer música para dançar? O disco "Blen Blen Club" enfatiza isso?

Guga: Mais ou menos. A temporada de um ano e meio no Aeroanta foi muito boa, sempre com a presença de muitos amigos, mas não "decolava" (também não "naufragava"...). Com o disco "Blen Blen Club", que foi lançado nos EUA e na Holanda, sentimos estar sintonizados com uma coisa muito grande fora do Brasil. Retomamos a música de dança que, nos últimos tempos, passou a ser um estilo importante para nós. Já um musical pode conter, além da música de dança, uma música vitalizada sob o efeito de bailarinos, de cenários, de enredo, de roteiro, ou seja, não precisa ser exclusivamente uma música para dançar, mas deve ter um caráter visual. Nós temos vários projetos em jazz; por exemplo, uma suíte de Duke Ellington para personagens de Shakespeare com o qual queremos fazer um evento. Ela compreende doze composições que nós já transcrevemos, mas ainda não ensaiamos, ainda está no papel. A música de dança é importante mas a possibilidade de também fazermos música camerística nunca querermos abandonar. Tentar mudar é algo difícil, não tanto para nós, mas para o público. Dos muitos artistas que tentaram mudar, alguns conseguiram mas outros não, pois a mudança de uma imagem coletiva é complicada.

Entrevistadora: Gostaria de saber como você convive com esses dois trabalhos: a música do Nouvelle Cuisine e a música do Heartbreakers; uma música que trabalha dentro da filosofia do cool jazz, música para se escutar, e a outra, caliente, de uma banda enorme e explosiva.

Guga: Para mim, são trabalhos complementares. Na verdade, não posso dizer que sou realizado. Eu penso muito em música; vou dormir e acordo pensando em coisas que quero fazer. A vida de artista, de músico é muito diferente, por exemplo, da vida de um atleta que, com 32 anos, no futebol, já é considerado um veterano. Tem trezentas coisas na música que eu quero realizar e eu me considero relativamente novo no métier. Dentro de mim, as atividades tendem a se complementar, afinal o ser humano não é uma unidade, mas sim, uma diversidade muito grande. Posso dizer tranqüilamente que, em ambos os trabalhos, eu toco, não o que eu gosto, mas o que a soma das convicções admite. Então é gostoso fazer os dois e eu me sinto muito bem assim.

Entrevistadora: Como é administrar uma banda com onze integrantes? Como ficam, por exemplo, as questões de repertório, as decisões a serem tomadas?

Guga: Desde o início, ficou explícito que as diretrizes do Heartbreakers teriam uma imagem invertida das do Sossega Leão. O clima no Sossega era ótimo; os ensaios eram um pouco bagunçados e a gente fazia uma discussão democrática, com a qual chegava-se a uma decisão mas através de um processo desgastante. Muitas vezes o acordo era o meio termo: se eu queria um tipo de música e alguém queria de outro tipo, fazia-se uma música que não era nem uma nem outra, o que muitas vezes não era o ideal. No Heartbreakers, instituiu-se que haveria uma direção, não um chefe, para termos uma estrutura que funcionasse. No caso, eu e o George ficamos encarregados da direção artística. Como manter onze músicos juntos? Primeiro, temos que trabalhar para gerar dinheiro, caso contrário, nos momentos de dificuldades, as pessoas se dispersam, às vezes, involuntariamente. Nós começamos na adolescência; agora, muitos têm família, é uma outra situação. Então, temos que gerar dinheiro para dividirmos entre várias pessoas e, para isso, temos que trabalhar muito. O grupo já tem mais de mil apresentações, ou seja, é um grupo que trabalha freneticamente para poder se auto-gerir. Fizemos, então, investimento em versatilidade. Por exemplo: acabamos de tocar jazz, no Gallery, para os pilotos da Fórmula 1; em seguida, um outro tipo de repertório para um coquetel no Consulado Americano; nós não tocamos música judaica mas, num barmitzvah, observamos o que estava acontecendo e tocamos um repertório adequado; um show temático, como faremos aqui no MIS; no lançamento de uma coleção de tratores, fizemos uma retrospectiva, com texto e música, dos anos 50, 60 e 70; para o Cassarole, cujo cardápio é de cozinha creola, eu trouxe, da França, material de música antilhana, trouxe coisas da Martinica, de Guadalupe, que a gente leu para preparar o show. Então, o Heartbreakers é uma orquestra que pode prestar vários tipos de serviços e, com isso, a gente tem conseguido trabalhar. Conseguimos, também, propôr trabalho: eu posso chegar numa casa noturna propôr um tipo de show para uma noite. Podemos tocar em teatro com música camerística ou para um monte de gente. Acontece a premiação de um certo colunista e somos contratados para tocar no coquetel; eles são a atração, nós ficamos no nosso canto, tocando; ele veio para conversar e nós para tocar. Esse tipo de evento gerou uma amplitude grande de trabalho. Com o Nouvelle Cuisine é muito mais complicado, pois se o público não estiver sentado fica muito difícil. Então, para manter o grupo, precisamos, basicamente, de duas coisas: um, é trabalhar; dois, que as pessoas gostem do nosso som. E temos que saber administrar; eu sou o diretor, mas não sou o chefe. Várias pessoas do grupo realizam trabalhos para a própria orquestra. Assim, o grupo tem quatro arranjadores: o Sérgio Lyra, o Matias Capovilla, o Mário Caribé e o Jether Garotti; eles assinam os arranjos e são pagos por isso. Para os ensaios, temos uma política de multas e de controle de horários que o Sérgio administra; o Xico Guedes toma conta da caixinha; três outras pessoas - cada um representando um naipe - decidem qual será a música a ter prioridade no ensaio: o Marcos Tessari pela percussão, o Jether pela base ou harmonia, e o Sérgio pelos sopros. Portanto, temos que criar uma burocracia interna. Às vezes, a situação está complicada, temos problemas a resolver, mas quando começamos a tocar, vamos relaxando porque, afinal, somos um grupo de música, não um grupo de discussão. Mas é necessário coordenarmos o trabalho. Estamos juntos desde 87 e durante esse período houve pouca mudança: o Luís Macedo, que era nosso trompetista, já revezava com o Cláudio Faria; ele não queria mais tocar trompete e realmente parou, montou um estúdio Midi e, atualmente, toca guitarra. O George Freire foi uma perda sensível para todos nós; ninguém entendeu a sua saída, acho que nem ele; um dia, sem explicação, anunciou a sua saída, foi uma tristeza geral; ele continua nosso amigo, às vezes dá "canja", não foi nenhum problema diagnosticável e, sim, um problema interno dele. O Betão, que era o baterista, foi substituído pelo James Muller. Dentro desses sete anos, fomos um grupo que trabalhou bastante. E acho que uma de nossas marcas está no figurino, que está no limite entre a tradição e a não-tradição. Usamos terno e gravata, mas é uma gravata de borracha, cheia de símbolos. Podemos fazer o "Maracangalha" do Caymmi, ou um samba-de-breque, ou um Djavan, ou ainda uma série de coisas experimentais. Somos uma banda que sempre quis tirar esse ranço nostálgico que é atribuído à uma orquestra de sopros e que, nos anos 60, 70 e 80, ficou vinculado a uma idéia muito brega, que é a idéia da banda que toca música de rádio e de Ray Coniffe; geralmente, quando aparecia uma orquestra com trompete, trombone e saxofone, o repertório era de muito mal gosto. Hoje, em São Paulo, tem essa coisa interessante, que é a tendência avassaladora da dança. Na quarta-feira, tocamos para mais de mil pessoas. Na sexta-feira, um grupo muito bom de música latina, o Son Caribe, começou há dois meses e vem crescendo rapidamente; no início não tinha público, e agora, já está com quatrocentas, quinhentas pessoas. No sábado, o Mistura e Manda, também começou com pouco público, assim como nós começamos, e agora já está com mil pessoas. Esse movimento é muito forte na cidade. O espetáculo do J. C. Violla lotou. Eu fiz teatro com o Violla e quis me inscrever na sua aula de dança; não deu, só tem vaga para daqui dois anos. O Heartbreakers surgiu de uma maneira bastante solitária. Acho que, finalmente, está fazendo aliança com outros grupos. Muitas pessoas reclamam de rótulos mas eu queria um rótulo, para poder fazer alguma coisa em conjunto, para poder "chamar os amigos para jogar uma bola", pelo menos. Muitos pensam: "Eles sendo os únicos vão trabalhar mais, vai sobrar só para eles". Não, é o contrário. O rock, por exemplo, surgiu em vários grupos. Hoje, eu abri a "Veja" e li sobre o mangue-beat: tem vários grupos surgindo, um de Recife, outro de São Paulo, ou seja, é uma onda que já veio como um pacote. E, nesse sentido, a gente quer criar muitas alianças e trabalhar bastante.

Entrevistadora: Vocês conseguem estabelecer uma relação com o público de forma que essa coisa de palco e platéia fica completamente diluída; a gente vê que vocês dançam com o público e entram na brincadeira.

Guga: Isso foi uma conquista. O show de jazz não permite isso; então, ao incorporarmos a música de dança, fomos entrando em sintonia com esse público diferente e de uma forma diferente. Seria interessante, um dia, filmar o baile. A platéia sobe ao palco numa cena de transe africano explícito; é um ritual que todos adoram. A minha cunhada, que era bailarina do Stagium, foi parar num grupo afro. O nosso baile de quarta-feira, é uma célula viva, não é mais nosso, é um evento da cidade. Conhecemos muita gente por lá: pessoal de teatro, os músicos da Madonna que, após tocarem com ela, foram tocar com a gente; o pessoal do Free Jazz, que foi dar "canja"; Margarete Menezes, Luiz Melodia, Tim Maia, Milton Nascimento, Liza Minelli. É uma coisa super-legal, mas eu não me considero satisfeito, não. Isso tem que ir muito adiante. Eu sempre tive vontade de ter acesso à "veia grossa" da mídia, mas para isso tem que se ir com calma. Você grava um disco mas você sempre tem que passar por uma auto-crítica. Eu alerto, em especial os músicos que estão começando, de que existe um vício muito negativo no ambiente musical, principalmente entre os instrumentistas, que é uma queixa exagerada. Certa vez, fui convidado para participar de um debate sobre música no programa da Silvia Popovic e fiquei muito irritado porque foi uma "choradeira" sem fim: a gravadora não me grava, a televisão não me passa; seria compreensível se isso tivesse sido dito em trinta segundos; mas foi uma hora e meia, eu comecei a ficar desesperado. Fomos fazer uma palestra na Universidade Livre de Música e os alunos, pessoas que estão começando, já têm isso na cabeça, já vêm dizendo que a grande mídia não presta, porque o Fantástico é isso, a Rede Globo é aquilo, a gravadora não sei o quê... Isso já está colocado no ar, uma coisa super-negativa. Desde sempre se fala que músico "não dá camisa a ninguém". Você vai ficando velho, já tem que ter um pouco o "pé atrás". Fácil não vai ser. Eu não sei se existe uma maneira fácil de ganhar dinheiro com música, eu nunca vi. Talvez tenha para alguém cujo pai seja dono de um negócio, mas mesmo assim acho que não é tão fácil. Então, desde sempre, o artista utilizou o que existia à mão: a gente queria o disco do ricaço da bossa-nova, então, a divulgação era tocar o disco na loja; Duke Ellington escrevia música, imprimia a partitura e tocava para as meninas irem com a mãe comprar essa partitura. Isso sempre existiu. É irritante a idéia que o músico tem de que antigamente era muito bom e hoje é muito ruim. Não é verdade. Houve, sim, alguns momentos interessantes de estrutura como, por exemplo, nos anos do rádio, quando o artista era contratado por uma determinada rádio e então ele podia relaxar um pouco.

Entrevistadora: E havia uma coisa muito forte de música popular brasileira. Haviam os festivais...

Guga: Sim, mas a maioria do pessoal dos festivais também fazia parte de uma estrutura, no caso, da Record, e essa foi a primeira e última estrutura de TV que trabalhou com artista contratado. Havia "O Fino da Bossa", o programa da "Jovem Guarda" e o programa do samba antigo. Isso começou a circular e acho até que a Tropicália tem muito a ver com isso. Você tinha Roberto Carlos cantando "Ave Maria do Morro", Ciro Monteiro cantando bossa-nova, foi algo que gerou uma estrutura. Hoje, o artista tem mesmo que se virar, porque a gravadora lança, no máximo, um disco seu; aí você tem que ir para um mercado que não é fácil. Mas nunca foi. O Cartola gravou dois discos, um deles com setenta e tantos anos e por um selo totalmente alternativo, o selo do Marcus Pereira, que era um idealista e que acabou se suicidando completamente endividado. Eu acho, então, que a pessoa tem que relaxar e utilizar o que existe. É isso, por exemplo, o que estamos fazendo agora: existe a estrutura do museu e existe gente interessada em nossa música. Mas tem também a MTV; se o seu trabalho vai mais para esse lado, então entre na MTV. Existem pessoas que ficam denunciando "panelinhas", paranoicamente, como se o mundo fosse feito para sustentar o artista que quer fazer sucesso. É difícil fazer sucesso porque um vem atrás do outro. Quando o Nouvelle Cuisine surgiu e pegou uma página inteira no jornal, isso significa que alguém ficou de fora. O Brasil é um país que não tem uma estrutura muito forte, ao contrário dos EUA e Europa que possuem um mercado intermediário. Esse mercado alternativo, no Brasil, foi esboçado com o Lira Paulistano, mas a crise econômica acabou por naufragar a viabilidade econômica da continuidade desse processo. O meu irmão é músico e trabalha na Europa com um grupo de jazz em condições muito decentes: tem circuito que com oito meses, às vezes um ano de antecedência, eles têm a turnê definida. É uma turnê por pequenos teatros, hotéis e gravação de um disco que vende três mil cópias e está muito bom. É uma turnê desgastante porque o ritmo é trem, apresentação, trem, apresentação. Não estão na primeira página do jornal, mas estão vivendo muito bem. O Brasil é um país realmente pobre. O consumo é muito pequeno. Ou o artista é massivamente consumido, ou ele fica relegado a uma condição de subsistência um pouco dificultada. Mesmo assim, eu acho que as pessoas precisam descobrir e adotar todos os espaços que existem e, de uma maneira tranqüila, ir realizando o seu trabalho. A música é muito forte. Eu associo a música - a forma da música, não a letra - com a idéia de transformação do mundo. Com o rock contestador, surgiram vários cantores falando e denunciando mas dentro de uma estrutura "careta". Não adianta ele contestar se, musicalmente, o trabalho é conformista. A música está associada ao cérebro, a algo psicologicamente profundo de organização de mundo. O músico, às vezes, sem uma única palavra, apenas com um gesto musical, demonstra, no inconsciente, que o mundo pode ser feito de uma maneira um pouco diferente. E isso é algo revolucionário, isso é uma bomba! Como disse (.............................), a música é o hálito das estátuas e um poeta cubano, que a música é a alma de um povo. Eles têm razão: nós tocamos Duke Ellington, que veio de Debussy, que veio de... Então, a música é uma experiência emocional mas está estruturada matematicamente e se aprofunda na história do ser humano. Às vezes, ao tocarmos uma música ou ouvirmos Milton Nascimento, o Olodum, imaginamos o primeiro artista batucando na pré-história. É muito importante que as pessoas decidam a fazer muita música e cada vez mais. Finalizando, eu acho que o mais importante é ouvir música. Quando as pessoas fazem queixas a respeito do Brasil, eu também tenho uma queixa: eu acho que, no Brasil, não falta música, não faltam teatros; falta público! Fiz uma viagem pela Europa e, lá, vi uma coisa por dia, de teatro ou música. Posso afirmar que era quase tudo ruim, quase tudo fraco, mas tudo lotado, apesar dos preços elevados - quarenta, cinqüenta dólares. Mesmo assim, lá existe público, as pessoas vão ver. Então, se pudesse haver algum investimento na cultura, talvez fosse o caso de incentivar a geração nova a ver e a ouvir. E você que é músico, ouça bastante. Toque um pouquinho e ouça muito. Neste momento, a formação do público ouvinte seria a coisa mais útil para o Brasil, que é um país cheio de músicos!

PROJETO SEMPRE NOVAS

Depoimento

de

-GUGA STROETER -

Músico, Diretor e Produtor Musical

2a. Parte

Local: MIS - Museu da Imagem e do Som de São Paulo - Setor de História

Data: 09/03/94

Entrevistadora: (?)

Duração: 47 minutos

Entrevistadora: Reservamos o tempo de hoje para falarmos mais sobre o projeto "Sempre Novas" e o trabalho da Orquestra Heartbreakers recriando Dorival Caymmi. Este não é o primeiro contato de vocês com o Caymmi; vocês já trabalharam anteriormente com as músicas desse compositor no Prêmio Sharp, não é verdade?

Guga: Sim. Em 1989, nós fomos convidados para ser a banda-base do Prêmio Sharp que, a cada ano, homenageia um nome da MPB. Nesse ano, foi a vez de Dorival Caymmi. Fizemos arranjos para diversos cantores, como Emílio Santiago, Alcione, Marília Pêra, Joana, Paulinho da Viola, Fagner e para o próprio Caymmi, que cantou com a gente. Fizemos, também, algumas coisas para coreografias, pois esse evento incluía um balé; uma parte da obra do Caymmi tem uma boa teatralidade, uma inspiração visual que remete a imagens. Atualmente, em nosso baile, trabalhamos com música brasileira. Pegamos alguns dos arranjos que havíamos guardado do Prêmio Sharp e misturamos com outras coisas do Caymmi para montar este show. Vamos, também, lançar uma cantora muito boa, muito jovem - tem 21 anos -, chama-se Andréia Marques, que vai cantar junto com o Hamilton Moreno.

Entrevistadora: E a partir de então, vocês farão trabalhos permanentes com a cantora?

Guga: Temos planos, mas ainda não decidimos nada.

Entrevistadora: É possível adiantar um pouco do repertório do show?

Guga: O trabalho do Caymmi tem uma importância muito grande e existe uma adequação dele com o nosso trabalho. Somos uma banda de jazz que evoluiu para música de dança e o Caymmi tem, metaforicamente, esses dois lados muito fortes. De um lado, a música étnica, baiana, regionalista, que é muito rítmica; por exemplo, "Maracangalha" tem uma estrutura muito simples mas é bastante rítmica; outro exemplo: "O Que É Que A Baiana Tem" é uma música bastante percussiva, característica que estamos incorporando em nosso baile. Por outro lado, ele, junto com Ary Barroso, é um compositor da pré-bossa-nova; então fez coisas bastante sofisticadas, como "Só Louco", "Nem Eu", "Sábado em Copacabana", "Não Tem Solução", que têm harmonias jazzísticas. A nossa banda é uma banda que explora essa vertente urbana da sofisticação harmônica e melódica, ao mesmo tempo que gosta da dança. Caymmi é um compositor que tem um obra relativamente pequena, tem sessenta e poucas músicas em tantos anos de carreira, mas são todas muito boas.

Entrevistadora: E ele tem composições que são extremamente populares. Além de toda a sofisticação, existe a parte rítmica, sobretudo com refrões, que parecem se perpetuar no tempo.

Guga: Sim, tem música que é só um refrão, por exemplo, "Adalgisa": "Adalgisa mandou dizer, que a Bahia tá viva ainda lá, que a Bahia tá viva ainda lá, que a Bahia tá viva ainda lá". Acabou! É muito interessante.

Entrevistadora: Em algumas das músicas do show, vocês irão trabalhar com harmonias próximas das do jazz de Duke Ellington?

Guga: Sim.

Entrevistadora: Então é possível fazer um paralelo entre Ellington e Caymmi? Há coincidências interessantes: além de compositores, ambos foram pintores e o aspecto visual sempre aparece na obra dos dois..

Guga: Eu não sabia que o Caymmi é pintor.

Entrevistadora: Ele pinta até hoje, vive desenhando e suas canções são super-visuais, com paisagens. Eu encontrei outra coisa interessante: você, no texto do "Ellingtonia", falou sobre a paixão de Ellington pelos trens, ele compunha nos trens. E o Caymmi disse que gostava muito de compor no ônibus. Quanto a questão das cores, das paisagens, eu queria saber aonde essas coincidências se evidenciam musicalmente. Você é uma pessoa que gosta de misturar, de fazer referências; então, gostaria de saber, qual é o seu caminho para chegar nisso.

Guga Eu sou músico, acho muito interessante e gosto muito da música quando ela vem da não-música, ou seja, quando o músico abandona a música. A música é drama, que pode vir de várias fontes. No Nouvelle Cuisine, por exemplo, há uma música que foi feita para um quadro, outra para um arquiteto. Quando o músico não está pensando só na música - no dó, no ré, no mi -, ela deixa de ser apenas uma coisa boa tecnicamente para ser uma inspiração. Eu, que trabalhei muito com teatro e quero trabalhar muito mais, gosto muito da possibilidade do caráter visual e dramático da música. Isso é muito legal no Caymmi e é patente no Ellington. Ellington compunha direto na orquestra. Depoimentos de pessoas que assistiram às sessões de gravação da banda, citam a integração entre os músicos. Haviam pouquíssimas partituras, apesar das músicas complexas. Ele dizia: "Olha, você vem lá do fundo, como se fosse um gato que estivesse caindo do telhado". E, não: "Você dá o dó, o ré forte, o mi fraco". É lógico que o problema musical já estava resolvido na estrutura da banda. Muitas das suas músicas lembram cores, como o "Mood Indigo", "In a Turquise Cloud", ou sejam, são coisas que vêm do universo visual. No Caymmi, isso também é muito forte: "O mar, quando quebra na praia, é bonito...", que é super- impressionista; tanto, que todos os arranjadores põem o "La Mare" do Debussy aí. Quando a música deixa de ser apenas música, ela torna-se mais música.

Entrevistadora: Antonio Rivero afirmou que, a partir da popularização da Bahia por Dorival Caymmi, ela tornou-se uma cultura hegemônica no Brasil. O que você acha dessa predominância da cultura baiana?

Guga: A Bahia tem ciclos de grande criatividade, isso não dá para negar. Tem a geração do Caymmi e, além da música, tem Jorge Amado, tem os pintores, depois a Tropicália e, agora, os ritmos internacionais com Carlinhos Brown e Olodum. Então, é um privilégio deles essa mistura étnica, que teve um resultado muito positivo e que exerce um fascínio muito grande sobre todo o mundo. É comum encontrarmos alemães, franceses, que vêm passar férias por aqui e acaba ficando. A Bahia é importante mas não acho que possa ser hegemônica. Artista existe em qualquer lugar e em qualquer situação; mesmo na crise, no lugar mais difícil, tem gente de todo tipo, de toda formação, procurando o belo: tem o Leminski em Curitiba, Coralina em Goiás, o Quintana em Porto Alegre.

Entrevistadora: O Olodum parece que vai até filmar ou fazer uma trilha sonora com o Spike Lee!

Guga: É legal; aquele monte de tambor do Olodum é lindo.

Entrevistadora: A busca da tradição é uma constante no trabalho do Heartbreakers, não no sentido conservador da palavra, mas como fonte, como riqueza, como possibilidades. Isso está bem colocado nesse trabalho de recuperação ou releitura da obra do Caymmi, não é verdade?

Guga: Eu acho que sim. Fizemos Duke Ellington, que é um compositor do jazz mainstream, não do jazz tradicional, mas sim da veia mais grossa do jazz. Na música brasileira e na salsa também percorremos essa mesma linha, pegando a estrutura, a veia mestra.

Entrevistadora: No último disco, além de música brasileira, como "Curare", vocês fizeram "Che Che Cole", do Zaire e "Tululu". Existe, então, uma preocupação folclórica ou de recuperação da canção popular?

Guga: No início, fazíamos jazz; então, acrescentamos dois percussionistas e um cantor e a coisa se transformou. O apelo da dança foi levar-nos para uma lingüagem muito mais direta; estamos trabalhando com parâmetros muito mais próximos da canção popular; então, temos música antilhana, música africana, tudo feito no nosso estilo. Eu não sou nada nostálgico; não posso ser nostágico de algo que não vivi. Duke Ellington compôs em 1920; meu avô estava engatinhando nessa época. Vivemos no fim do século. Pode ser chavão dizer mas, hoje, temos possibilidade de acesso a muitas coisas que foram feitas. Portanto, como paulista sinto-me apto a fazer jazz, samba e salsa, ou seja, eu me sinto como um homem do fim do século, capaz de ver e aproveitar muitas coisas que foram criadas. A criação pode ser a combinação de uma série de informações e, geralmente, resulta numa coisa muito boa porque ela sintetiza as informações de uma maneira peculiar. E aquilo que foi bem feito será, do ponto de vista filosófico, sempre vanguarda. Existem coisas feitas hoje que são ditas de vanguarda mas usam estruturas absolutamente banais, que na verdade não têm nada de novo. Aliás, o padrão de "novo" pode ter vários pontos de vista. O meu é o seguinte: um artista não tem culpa de ter feito uma coisa genial há cinqüenta anos atrás, ou hoje. Isso é muito mais válido do que vangloriar-se de ter o último modelo de um sintetizador. Ou seja, você pode ater-se ao apego do novo, ou você pode tentar achar a engenhosidade. A gente, como uma banda de jazz, é uma banda que valoriza a estrutura. Boas estruturas levam a um bom resultado, que você vai ouvir e sempre achará que está bem feito. Por exemplo, ouvi um disco do The Modern Jazz Quartet que tem mais de trinta anos, mas eu achei atual o tratamento que eles deram às músicas. Eu sei que um garoto da geração MTV não vai apreciar; não há sentido em tentar impor gostos a ninguém. O interessante é que a MTV traz as novidades dela, mas tem também a novidade do The Modern Jazz Quartet. E essa procura, no final do século, não tem nada de nostálgico. Passamos por uma infinidade de coisas e temos o direito de nos apropriarmos das coisas boas.

Entrevistadora: Como é o seu processo criativo? Você parece ser uma pessoa bastante conceitual. As idéias simplesmente vêm, é intuitivo, ou é conceitual, é uma atividade regular? De onde você parte para buscar os elementos de sua criação?

Guga: Existem duas coisas: uma coisa sou eu, outra é a banda.

Entrevistadora: Pergunto mais individualmente.

Guga: Faço várias coisas: gosto de compor, gosto de ter idéias de música. Eu ia estudar psicologia e era músico. Quando ficou só a música, parei de ler filosofia (que eu adorava). Acontece que eu durmo e acordo pensando em música e na profissão de músico. Penso na melodia, mas penso, também, em como fazer a coisa acontecer. Eu não sei dizer exatamente quando eu estou criando; na verdade, eu estou criando sempre. Eu não componho muito, mas gosto de escrever. A minha maneira ideal de compor é, por incrível que pareça, a partir de nada, é ficar pensando numa melodia, tocar e registrar essa melodia. Não é inspiração; são coisas que você já ouviu. Você pega um pouco daqui, um pouco dali, eu gosto de ir congelando aos poucos e isso, geralmente, resulta numa canção. Não vem de um processo mecânico com um instrumento, que eu também adoro. Gosto de fazer as minhas letras, também.

Entrevistadora: Mas o que vem primeiro, a melodia, a letra, ou podem vir juntas?

Guga: Quando eu faço sozinho, faço primeiro a música e depois eu ponho letra. Mas tem coisas que eu faço em parceria; então, muitas vezes, eu ponho letra em músicas de outras pessoas. Neste caso, o processo passa por várias fases. A questão principal e mais difícil é sobre o quê escrever. Isso me consome um tempo enorme. Tenho uma melodia... sobre o que é que eu quero escrever? Isso demora, demora, demora, demora, até que... ah... é sobre o "cachorrinho", digamos. Quando decido que é sobre o "cachorrinho", tudo fica mais fácil. Então, nesse processo, o mais difícil é a escolha do tema do que a coisa em si.

Entrevistadora: Quais os prêmios que o Heartbreakers recebeu até agora? Gostaria que você falasse sobre o disco "Amazonas", que foi um disco promocional e também premiado, mas sobre o qual não temos muitas notícias.

Guga: Fomos indicados para o Prêmio Sharp com o disco "Blen Blen Club" e recebemos o prêmio APCA de teatro com o musical "Emoções Baratas". O disco "Amazonas", institucional, foi gravado muito rapidamente para a indústria de calçados de Franca, Amazonas. Eles propuseram algumas música, nós propusemos outras, e nasceu esse disco de jazz.

Entrevistadora: Eu achei que era sobre um tema do Amazonas.

Guga: Não, é um disco de jazz, muito bem acabado. Houve uma certa polêmica depois porque o produtor, um cara brasileiríssimo que, como Presidente, assinou a minha carteira da Sociedade dos Compositores, pegou esse disco, que não foi lançado comercialmente, e o lançou por aí, aos pedacinhos, mudando tudo: alguns temas de cinema em "Os Melhores do Oscar" e outros temas em "Músicas Inesquecíveis". Eu soube através da televisão, cuja propaganda anunciava a nossa participação. Fiquei surpreso, pois não tinha sido comunicado de nada, não havia recebido nenhum dinheiro. Fui conferir numa loja de discos e não encontrei crédito algum para a banda. Quanto aos nomes dos cantores, constava: em lugar de Skowa, "Fat Skow"; ao invés de Ana Amélia, "Anamel"; ou seja, nomes inventados. E esse produtor, na época, era o Presidente da Associação dos Direitos dos Intérpretes. Isso acabou indo para um advogado, mas eu não aprofundei esse litígio porque esses discos haviam saído pela gravadora Eldorado, que era aonde a gente estava gravando, e cuja diretoria estava mudando, uma tremenda confusão. Estou contando isso para jovens músicos que, eventualmente, venham consultar este vídeo, alertando-os para que fiquem atentos a esse tipo de coisa que acontece.

Entrevistadora: Do ponto de vista jurídico não há nada que se possa fazer, efetivamente?

Guga: Na verdade, nós não fomos a fundo para processar mas é relativamente óbvio que uma pessoa não poderia fazer isso com um trabalho seu, mesmo que você tivesse assinado pela banda. Quem assinou o contrato foi o George. Precisávamos ler a cópia do contrato e analisar juridicamente. Talvez ele até tivesse os direitos de lançar esse disco por onde quisesse; talvez nós tivéssemos assinado isso. Mas o fato de mudar os nomes dos cantores sem as devidas autorizações, leva-nos a concluir que aí tem, como diz um amigo meu, alguma "maracatuia".

Entrevistadora: Desde o Sossega Leão, em seguida com o Nouvelle Cuisine e o Heartbreakers, você e os grupos navegaram um pouco contra a corrente daquilo que determina a mídia. De qualquer maneira, no caso do Nouvelle e do Heartbreakers, vocês conquistaram um espaço cultural importante na cidade. Então, eu queria saber se vocês têm boa cobertura da imprensa, se vocês tocam em rádio e como é a relação com a crítica.

Guga: Nós nunca tivemos problemas com a mídia; fomos, sim, até mimados por ela. Quase tudo o que fazemos, e que é significativo, é coberto pela imprensa; temos bom acesso a ela, a imprensa falada e a imprensa escrita. Agora, acesso às emissoras de rádio, nós nunca tivemos. Nunca tivemos um casamento massivo com o rádio, e é o rádio que determina, musicalmente, (.................................................). Por exemplo, quando vamos à televisão, tocamos uma vez e as pessoas vão ver e ouvir. Mas só o rádio tem o poder de fazer a música entrar na cabeça da população, tocando essa música cinqüenta vezes. O rádio é que determina o gosto musical do público. Por outro lado, nós nunca, realmente, fizemos um produto para o rádio. Estamos perto de mil e cem apresentações, ou seja, o Heartbreakers trabalha muito. Surgimos paralelamente a diversos grupos que tinham trabalho radiofônico e esses grupos acabaram. Se o sucesso do seu trabalho depender, prioritariamente, do rádio, é lógico que, se não tocar, não vai dar certo. Por isso decidimos ser uma banda que presta serviços; não estamos no rádio, mas estamos sempre correndo lado a lado. Hoje, vislumbramos a possibilidade de um casamento, na medida em que investimos num som bastante percussivo e dançante, justamente quando está ocorrendo uma valorização mundial dessas qualidades e, portanto, estamos sentindo a existência de um público para isso. É provável que, se nós acontecermos, surjam outras pessoas fazendo trabalhos do mesmo gênero. Talvez a indústria fonográfica escolha alguém e "crie" um artista; aqui não vai nenhum tipo de rancor mas, provavelmente, deve resultar numa salsa bem popularesca. Eu acho o rock muito legal, mas eu já vi coisas de rock bem ruins serem feitas por amigos meus porque a gravadora determina o espaço no qual deseja investir. Então os músicos fazem exatamente aquilo, realmente acontecem, e depois deixam de acontecer. Nunca vou tirar o mérito de quem está aí; se o Titãs está aí, junto com o Paralamas e o Barão, é porque eles trabalham e vão a fundo. Mas existe na psicologia coletiva uma avidez por novidades, por isso existe a idéia de criar um produto que funcione imediatamente. Essa indústria do pop é muito interessante. Eu nunca entrei nela realmente, mas não tenho nenhum rancor. É bom que ela funcione assim. Você vai criando, vai substituindo pessoas, estilos, e assim a coisa vai andando. O nosso caminho é um caminho paralelo, a banda já foi criada dessa forma e não gosto do termo "alternativo". O meu sonho é estar no "Fantástico"; eu adoraria que isso acontecesse. Sou fascinado pela perspectiva de um sucesso nacional. Mas, se você consegue criar perspectivas de trabalho e subsistir daquilo que você gosta, como nos tem acontecido, também está super-legal.

Entrevistadora: O sucesso de vocês parece que tem vindo de baixo para cima, uma coisa que está sempre crescendo.

Guga: Sim, temos boa cobertura da imprensa; ela sempre esteve junto, sempre esteve curiosa a respeito do que a gente está fazendo.

Entrevistadora: Alguns dos seus trabalhos foram lançados lá fora?

Guga: Só o "Blen Blen Club", que foi licenciado por um selo muito legal, o Celluloid, que tem em seu catálogo Daniela Mercuri, Gilberto Gil, Margareth Menezes, entre outros. É um selo de world music bastante forte, que se interessou por uma banda brasileira fazendo salsa. Isso, mais do que tudo, foi um reconhecimento, pois estamos tocando salsa num mercado de salsa. O nosso disco está competindo com outros feitos por porto-riquenhos e cubanos. Aqui no Brasil, isso vale pouco porque a música salsa tem pouca entrada, mas eu me sinto reconhecido afinal, no disco, tem oito composições minhas.

Entrevistadora: Foi através desse disco que veio o convite para o Festival de Cuba?

Guga: Não, o Festival de Cuba aconteceu da seguinte forma: o grupo cubano Irakere, que é o dream team da música cubana, quando esteve aqui no Brasil, foi assistir ao nosso show e acabamos fazendo amizade. Eu já havia distribuído alguns discos nossos nas rádios de Cuba da última vez que estivera lá. Chucho Valdez, o diretor musical do Irakere, é um músico cuja opinião é muito importante junto à imprensa e junto ao Ministério da Cultura. Entrevistado a respeito da viagem ao Brasil, falou bastante a respeito do nosso trabalho e terminou a reportagem dizendo que seria muito bom se a gente fosse para lá. Logo em seguida, veio o convite.

Entrevistadora: Conheceu muitos grupos interessantes por lá?

Guga: A situação no país é muito ruim. Eu fiquei impressionado porque já tinha estado lá anteriormente e, dessa vez, constatei que a coisa ficara completamente desestruturada do ponto de vista material, gerando uma série de decorrências de interesse antropológico. Eu testemunhei uma situação absolutamente miserável. Por outro lado, a tradição musical do país, a musicalidade do povo, é maior do que a do brasileiro, principalmente em relação à música dançada. Por exemplo, numa festa, eu danço, um pouco, o samba junto; samba sozinho, eu não sei. Dos meus amigos, cinco ou dez por cento sabem dançar e gostam; entre as mulheres, aumenta para trinta e cinco ou quarenta por cento. Ou seja, o costume de cantar e dançar existe no brasileiro mas, e principalmente na classe alta, não faz parte da cultura. Já em Cuba, cem por cento canta e dança; faz parte da educação do povo. Se o cara não sabe dançar, está por fora. A respeito disso, eu vi cenas muito legais; vou descrever uma delas, que é uma metáfora, mas que serve muito bem de exemplo: andando na rua, passo por uma casa com a janela aberta; dentro, o rádio está ligado e toca uma música. No momento em que as pessoas passam em frente à casa, elas dançam, e em seguida, continuam a caminhar. Isso é uma coisa muito forte e interessante. Os bailes são mais africanizados do que os daqui, são impressionantes. Tivemos a chance de viajar pelo interior do país, sempre tocando com outras bandas de bailes populares. Onde tem música é uma festa! Salvador também é assim, mas lá existe um virtuosismo. Eu estava num desses bailes, e aproximou-se uma menina; ela pôs a mão no chão, virou a bunda para mim e começou passar a bunda na... uma coisa que me deixou assustado! Terminada a música, ela levantou e foi embora, comportadíssima. Algo assim, para nós, é chocante. A possibilidade de atingir o estado de euforia é mais rápido, pois a música é feita para isso, ela leva ao transe. Você vai a um show dos Van-Van, todas as músicas tem, pelo menos, dez minutos de duração e sempre ocorrendo coisas diferentes, justamente para criar aquela loucura.

Entrevistadora: É possível você nos adiantar alguma coisa dos próximos projetos do Heartbreakers?

Guga: Nós temos um compromisso verbal com o José Possi Neto em relação à trilogia de musicais. Em 88, fizemos a primeira parte, que foi "Emoções Baratas", com jazz; fizemos a segunda parte, "Mucho Coração", com salsa; a terceira e última parte, seria um espetáculo com músicas brasileiras. O José Possi trabalha muito e está morando meio aqui, meio em Portugal; então, nós ainda não conversamos essa terceira parte. Não sei se é um plano mas, certamente, é um objetivo nosso a cristalização desse projeto. Proximamente, devemos reestrear um repertório de jazz. Devido ao trabalho com o repertório dançante, ficamos um pouco distantes desse gênero e agora voltaremos a investir nele e em bossa-nova, também dançantes, mas com outro caráter, outro figurino e outra instrumentação.

Entrevistadora: Para os bailes de quarta-feira, no Avenida Club?

Guga: Não. Seria para complementar a amplitude da orquestra. Já fizemos Duke Ellington e, agora, estamos preparando os standarts de Cole Porte e Gershwin. Daqui a um mês, acho que estará tudo pronto. A parte de jazz está toda escrita, com os arranjos prontos, mas ainda não foi tocada. Depois, vamos mergulhar na bossa-nova, uma coisa que a gente também gosta bastante.

Entrevistadora: Você disse que costuma ouvir muita música; então, para encerrarmos, gostaria que nos contasse o que você ouve, de modo geral, e o que está ouvindo agora, em particular. Gostaria, também, que você desse uma definição filosófica - você que adora filosofia - do que é ser músico no Brasil.

Guga: Antes, gostaria de complementar o que eu disse sobre a estrutura de funcionamento da orquestra. Então, a fórmula para manter um grupo unido, resume-se em: trabalhar bastante para poder gerar dinheiro, dando condições para que as pessoas se dediquem à profissão; outra coisa: possibilitar a satisfação artística individual dentro do grupo. Eu gostaria, também, de apontar a peculiaridade de sermos um grupo acústico. Agora, nós temos o piano elétrico e o baixo elétrico. Mas, até dois anos atrás, tudo era acústico; fazíamos o "Blen Blen Club" com baixo e piano acústicos. Isso é uma característica marcante nossa: o som da mão no tambor, o sopro no instrumento, o dedo na corda; o fato de não termos mergulhado na eletrônica faz com que a nossa música seja muito quente. Em contrapartida, nossos arranjadores trabalham com uma rede de seis computadores e oito sintetizadores. Optamos pelo sistema Atari, muito popular no final dos anos 80, que conta com um programa de música moderno e barato; como computador de música, em muitos pontos é superior ao Mackintosh e ao IBM. Somos, então, uma banda acústica mas que trabalha informatizada em prol da própria estrutura e para ter condições de prestar serviços. Nossos arranjadores trabalham da seguinte forma: levam a música para casa, onde têm o sintetizador com os timbres dos instrumentos da orquestra, como o vibrafone, o trompete, o trombone. Fazem o arranjo e, ao se sentirem satisfeitos com o resultado, imprimem as partituras de cada instrumento. As partituras são, então, distribuídas aos músicos que as estudam para o ensaio. Nesse sentido, a informática facilitou o nosso trabalho porque, sem ela, tínhamos que copiar, manualmente, toda a partitura por causa de um compasso errado, e o trabalho de cópia, é um trabalho terrível, um pesadelo, principalmente para uma banda grande. Porém, um detalhe importante: o computador não reclama, mas o músico reclama. Então, não adianta o arranjador escrever algo que o computador toca mas o músico não; como, por exemplo, uma nota muito aguda que o trompetista não alcança. Ou seja, o arranjador tem que saber a linguagem de cada instrumento, tem que ter uma formação prévia. Você peguntou o que é que eu ouço; ouço muita coisa. Estou chegando de uma viagem que fiz pelas Antilhas; trouxe bastante coisa de lá, coisas de reagge. Estive em Porto Rico e comprei coisas de salsa. Tem a música antilhana cantada em inglês que é muito interessante; é o que eles chamam de soca ou calipso e que toca muito em Barbados e nas Ilhas Virgens. Um outro trabalho que eu estou desenvolvendo está relacionado com o período de 38 a 42; então, estou ouvindo muita música de concerto, canções, música italiana e brasileira dessa época. E jazz; eu sempre gosto de ouvir os jazzistas que eu mais curto, como Duke Ellington, Miles Davis e o pianista Bill Evans.

Entrevistadora: Você já deu várias definições filosóficas ao longo deste depoimento mas eu gostaria que você sintetizasse o que é ser músico no Brasil.

Guga: Eu não sei se quero ser filosófico; além disso, é difícil ser filosófico quando se quer. Mas vou expôr algumas idéias. Hoje, eu vejo que eu seria, ou um psicólogo frustrado, ou um músico frustrado. Eu sou um psicólogo frustrado e vivo de música. Se este depoimento for visto por alguém que está em grande dúvida, eu digo que a dúvida da escolha é uma questão, não só para músicos, mas para qualquer um. A minha opção pela música aconteceu na literatura e foi uma opção existencial. Lembro-me de estar lendo um livro do Julio Cortázar, um conto chamado "O Perseguidor", que fala da vida de Charlie Parker; é um conto muito pesado, terrível. Charlie Parker foi um músico extremamente atormentado, que tinha uma postura agressiva com as coisas, com pouca auto-piedade. Eu vivia naquela dúvida: será que vou ser músico? É tão difícil, não dá dinheiro, eu já estou velho para começar a tocar... Então, lendo esse conto num momento existencial interessante, liguei, com o perdão da palavra, o "foda-se", e decidi: é isso aí! Por isso, digo que foi a literatura que me engajou no trabalho de música. Seja em música ou em qualquer outra coisa, tenha em mente que você só vive uma vez; então, tem que fazer o que se gosta. Às vezes, não é o caminho mais fácil. Pode acontecer de a gente ficar invejando alguém que está ali, numa situação de maior prosperidade econômica...

Entrevistadora: Mas existe, também, um alto coeficiente de prazer, não é mesmo?

Guga: Tem. A minha vida, como está hoje, é muito prazerosa. A carreira de músico tem uma grande oscilação, porque sempre vem gente atrás e o público sempre quer ver coisas novas, gente nova. Você nunca está totalmente situado. Acho que, no Brasil, quem está situado é o Chico, o Caetano, o Milton, o Gil e acabou. A gente acaba convivendo com todos os escalões do meio musical e percebe que não tem jogo ganho. Então, eu admiro as pessoas que estão sempre ali, batalhando. Mas a vida de músico é extremamente prazerosa. Cada show do Heartbrakers é como um reveillon; a metáfora do Heartbreakers é que nós temos de oitenta a noventa reveillon por ano, porque todo show é uma euforia. Já com o Nouvelle Cuisine, cujo trabalho é mais conceitual, há uma coisa narcísica muito legal que é sentir o público sentado, prestando atenção no você está fazendo. Então, eu consegui encontrar uma forma gostosa de viver. Tem momentos que o mundo diz não para o que você está fazendo. Nesse momento, você tem que ter muita paciência e pensar que o mundo não acabou; porque a impressão é de que o mundo acabou, que o seu momento passou, que você nunca mais vai conseguir agradar alguém; você se sente humilhado na sua auto-estima, porque você fez uma coisa tão legal, com todo o coração e não deu certo. A lição que eu tenho é o seguinte: faça uma coisa e faça outra e faça outra e faça outra e faça, principalmente, o que você gosta, e não xingue o mundo (eu, que sou jovem, já estou dando conselhos!). O mundo não é como eu quero, não é como ninguém quer. Então, a postura de ficar se queixando, não adianta. É importante a pessoa saber que, trabalhando com música, se está trabalhando com algo bastante forte e profundo. Numa questão não quero ser filosófico, quero ser bastante bastante concreto: a música é, também, uma indústria que movimenta muita coisa e muita gente, e eu não conheço ninguém que não goste de música, não existe quem diga: "Eu detesto música". Então, ser músico, principalmente, no Brasil, é um privilégio. Concluindo: na minha adolescência, eu tive um dentista paraguaio. Ele se queixava muito dizendo que as pessoas, ao descobrir que ele era paraguaio, ficavam com receio; se fosse americano, seria o contrário, ou seja, ele tinha uma certa desvantagem. Se chegasse por aqui um cozinheiro francês, o comentário seria: "Puxa, o cara é um cozinheiro francês!". Se viesse um jogador de futebol do Haiti, todos pensariam: "O cara não é bom". Cada cultura tem coisas que lhe são peculiares. A música é peculiar ao Brasil. Se você é músico, no Brasil, então você já saiu na frente; mesmo em casa, parado, já está numa situação privilegiada. Eu coloco os músicos brasileiros ao lado dos melhores músicos do mundo. Nós conhecemos uma orquestra de salsa japonesa; ótimo, super-legal. Mas eles não têm música popular no Japão; então, eles fazem a música do outro país. Nós também fazemos salsa mas somos músicos brasileiros e vamos dar a volta. Lidando com música brasileira você está lidando com uma matéria-prima que permite expressar diversos aspectos da natureza humana, muito mais do que a música cubana. A música cubana tem dois estados de espírito básicos: a depressão do bolero e a euforia da salsa. A música brasileira é muito mais livre. Você pode navegar por diversos sentimentos, por diversos ritmos, compondo ou tocando um instrumento. É normal, às vezes, a situação ficar difícil, mas não conheço maneira fácil de viver, de ganhar dinheiro. O músico é um artista. Ele está sempre procurando por algo. Eu convivo com pessoas muito legais e verifiquei que, chega um momento, em que as suas aspirações convergem para coisas de natureza apenas material; é real e não critico. São amigos que estão progredindo e querem comprar, por exemplo, um carro novo ou uma casa na praia, e isso é muito digno do ser humano. Eu vejo toda aquisição material, como uma aquisição espiritual; é uma manifestação do desejo, assim como uma composição musical. Mas o músico está sempre atrás de uma outra coisa, que é uma nova música, em como colocar a percussão, como tocar um instrumento, quer conhecer a música que veio do Zaire... É uma procura num universo diferente. E quando o músico consegue se apropriar daquilo que tanto buscou, e não olha nem para cima, nem para baixo, ele tem uma sensação de plenitude muito gostosa.

Entrevistadora: Guga, muito obrigada pelas duas sessões de entrevista. Esperamos que o show seja super-legal!

Guga: Obrigado a você.

[Menu] [Agenda] [Release] [Currículo] [Videos] [Fotos] [Espetáculos]
[Guga & Heartbreakers] [HB Tronix] [Nouvelle] [Discografia] [Partituras]
[Espaços Culturais e Casas Noturnas] [Textos] [Contato] [E-mail] [Orkut] [MySpace]